Introdução

O empreendedorismo é por vezes entendido como uma competência que destoa às atribuições operacionais do mundo corporativo, parecendo ao senso comum estar mais relacionado ao conjunto de habilidades necessárias para abrir uma empresa/startup. Neste artigo, demonstrarei porque a definição acima apresentada como “senso comum” é incorreta e o porquê das empresas cada vez mais demandarem por empreendedores profissionais.

A Destruição Criativa e a Rápida Reinvenção dos Mercados

Os paradigmas estão ai para serem quebrados. O conceito de Destruição Criativa, do economista austríaco Joseph Schumpeter, explica o funcionamento dos ciclos de inovação tecnológica do capitalismo e exibe perfeitamente o espírito do empreendedorismo na sociedade.

A ideia de Schumpeter é simples. Para ele, existem ondas de inovação que permeiam a sociedade, quebrando e renovando paradigmas antigos. Um exemplo é o da indústria da música, que se reinventou a partir da quebra de paradigmas tecnológicos em curtos espaços de tempo. Primeiro havia o rádio e o vinil, depois veio a fita cassete, depois o CD, então os dispositivos de reprodução de música como o iPod e agora vivemos na era do streaming – até a próxima revolução tecnológica na indústria, claro.

Destruição criativa na indústria da música – Imagem por perolavitorino.com.br

A teoria da Destruição Criativa também expõe que, pelo emprego da tecnologia e pela velocidade de mudança da sociedade, os ciclos de revolução estão cada vez mais rápidos. Voltando à indústria da música, do vinil ao CD, foram mais de 20 anos, já do iPod ao streaming foram apenas 6 anos. Os ciclos vão ficando cada vez mais curtos, trazendo as empresas a necessidade constante de reinvenção em seus respectivos mercados, empresas que não possuírem a capacidade de se “destruir criativamente”, morrerão em poucos anos.

Destruição Criativa: promova ou seja uma!
Gráfico exibindo alguns ciclos de destruição criativa. Note que cada vez mais os ciclos (ou ondas) se tornam mais curtos

Procuram-se empreendedores

Com uma startup nova todos os dias disruptando os mercados, as empresas precisam incorporar e absorver empreendedores, não apenas no board, mas que estejam disseminados em absolutamente todas as camadas da companhia. Empreendedores internos (ou intraempreendedores) podem ser fabricados e estimulados a pensar como donos da empresa, solucionando grandes desafios, fazendo com que a empresa esteja em contante reinvenção.

Em minhas experiências anteriores com startups, era fácil perceber a importância do empreendedorismo para o crescimento do negócio. Trabalhei apenas em pequenas startups e todas as pessoas que contratávamos ou que viraram sócios tornavam-se genuínos empreendedores em poucos dias – qual a razão? Todos estavam empoderados para pensar como donos da empresa, empossados dos principais desafios da companhia e ávidos por conquistar mais mercado, afinal, o ato de pagar as contas no final era diretamente proporcional ao quanto todos os colaboradores conseguiam solucionar estes desafios e entregar resultados.

Já em algumas empresas, o que temos visto é 0,0001% dos colaboradores (geralmente executivos) pensando a estratégia do negócio, realmente se sentindo donos daquela companhia e os demais executores de processos, que os reduzem ao papel feito por Charlie Chaplin no filme “Tempos Modernos”. Para quem não lembra (ou não assistiu), no filme, Carlitos era um funcionário de uma fábrica e sua função era apertar parafusos. A atividade era tão mecânica que ao final do dia, Carlitos continuava sonhando e apertando parafusos imaginários, chegando a sofrer uma crise nervosa. Assim como em quase toda fábrica de antigamente, funcionários faziam tarefas que exigiam zero pensamento crítico, apenas execução e eficiência.

Cena do filme “Tempos Modernos”, em que Chaplin aperta parafusos em uma fábrica

Exagerei no exemplo? Pare para pensar a porcentagem de colaboradores brilhantes de sua empresa fazendo funções que serão substituídas em dias, em vez estarem investindo sua energia em empreender internamente e pensar no futuro da companhia. Provavelmente será um número alto e para continuar inovando, a empresa precisa investir na formação e empoderamento de empreendedores internos.

Área Funcional Empreendedora, um dos modelos possíveis

Um dos modelos possíveis para viabilizar o empreendedorismo nas empresas é o proposto por Eric Ries em “O Estilo Startup”. Ele afirma que companhias antigas e consolidadas dificilmente conseguiram difundir o empreendedorismo como um dos padrões da companhia e que precisam aos poucos torná-lo um código social atrelado aos objetivos mais estratégicos da empresa.

Uma das maneiras de embarcar empreendedores profissionais e estimular suas habilidades é criando um núcleo chamado por ele de Área Funcional Empreendedora. Na prática, este time será responsável pelo pontapé do intraempreendedorismo de verdade, criando e validando novos produtos e serviços com a velocidade que o mercado demanda, participando da reestruturação da companhia, tanto em termos de modelo operacional quanto novas fontes de receita e também pensando no que está no mercado que poderia estar dentro da empresa, como outras startups, tecnologias e outras empresas.

O Estilo Startup – Um racional proposto por Eric Ries para que as companhias funcionem como genuínas startups – Imagem por perolavitorino.com.br

Acontece que algumas empresas até possuem núcleos de inovação, mas com um olhar e apoio executivo menor do que deveria ser, além de geralmente funcionar como algo isolado do business as usual. Na prática, se torna o time dos post-its e programas de inovação periódicos, programas estes que quando encerram, cada colaborador volta a apertar parafusos como se nada tivesse acontecido. O desenho proposto por Ries enfatiza que a Área Funcional Empreendedora tenha autonomia e trânsito com a liderança, capaz de escalar as iniciativas e atrelar metas de inovação para toda companhia.

Área funcional empreendedora – Uma unidade autônoma com participação direta das outras áreas de negócios, ligada diretamente aos executivos e a estratégia da companhia – Livro “O Estilo Startup” – Imagem por perolavitorino.com.br

Perfis empreendedores

Estudando um pouco para entender quais características geralmente propiciam o surgimento de empreendedores na companhia, encontrei a definição do T-Shaped Professional. São profissionais capazes de entender os aspectos profissionais mais generalistas mas também possuem sólidos conhecimentos em determinada disciplina.

Profissional T-Shaped: O que é e Como se Tornar Um?
Profissional T-Shaped – Capacidade generalista com uma dose de especialização

Os T-Shaped têm grande potencial a se tornarem intraempreendedores, já que conseguem observar o cenário de forma holística, compreender aspectos mais estratégicos e usar sua visão multidisciplinar de mundo para solucionar problemas, além disso, conseguiram se especializar em algo que os traga embasamento teórico suficiente para tal.

O importante aqui é, empreendedores são problem solvers por natureza. Geralmente o que está por traz da capacidade de solucionar problemas é a facilidade em analisar de forma mais generalista e multidisciplinar o problema, unindo-se à especialização e propriedade de causa no assunto, além de uma pitadinha de personalidade e protagonismo. Empresas que estimulam apenas o lado especialista do profissional (ou vice-versa), acabam perdendo características importantes para a formação de empreendedores na empresa.

Problem Solving Definition and Methodology | Lucidchart Blog
Solucionador profissional de problemas: Uma boa definição para um empreendedor. Função extremamente útil nas companhias modernas

Experiências prévias em startups ou em empresas genuinamente entrepreneurship oriented podem facilitar na formação desses profissionais. Trabalhando em uma startup menor, provavelmente os devs (ou qualquer outra função mais técnica) aprenderão sobre vendas, marketing, atendimento, estratégia, liderança. A partir disso, teremos um dev com grande capacidade em desenvolver softwares, mas que tem boxes de conhecimento sobre os mais variados assuntos, que serão importantes insumos em sua bagagem empreendedora.

Concluindo

Formar e contratar empreendedores têm se tornado um desafio das grandes companhias, já que todo mundo precisa se reinventar para ontem. Agora, além de trazer empreendedores, oferecer as condições necessárias para fomentar o intraempreendedorismo em todos os níveis é onde está o segredo. Mais do que nunca, é hora de tomar mais risco, de estar mais aberto ao novo, de criar e empoderar para que cada mente na organização seja também um CEO da companhia, não um parafusador profissional. O conjunto de incentivos e o nível de comprometimento executivo também serão importantes para reinventar constantemente a empresa.

Nos próximos anos, o empreendedor corporativo deve ganhar um espaço importante nas grandes empresas, disseminando o mindset empreendedor e auxiliando a companhia a pensar nos próximos ciclos de reinvenção, que farão com que a empresa se mantenha viva e amplie relevância no mercado.

Referências

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